Olá, David. Haveria o risco do pensamento de Eric Weil ser visto como justificador do atual estado de coisas em nossa sociedade, na medida em que ele considera que existem diversos tipos de categoria/atitudes e que a decisão pela filosofia, pelo discurso absolutamente coerente, não é necessária, mas somente uma escolha possível?
O pensamento de Weil, sua teoria filosófica, estaria enquadrada em alguma das categorias elencadas por ele na Lógica da filosofia?
A filosofia de Weil poderia ser considerada uma ‘retomada’ de alguma categoria? Qual?
Qual a implicação política dessa teoria filosófica da história da filosofia?
Vamos lá Saulo. São quatro perguntas. Irei respondê-las de acordo com a ordem que estão expostas.
A resposta para a primeira pergunta é não. É preciso antes de tudo compreender que Éric Weil não defende nenhuma categoria-atitude, ou seja, ele não toma partido de nenhuma delas, mas apenas as descreve como fenômenos da dimensão discursiva do homem na Lógica da filosofia. Em outras palavras, ele percebe que o homem em sua experiência histórico-temporal criou discursos a partir de suas formas de vidas (atitudes), então ele organiza todos esses discursos em 18 categorias, que são unidades essenciais da discursividade humana. Cada categoria-atitude faz uma retomada de alguma categoria, elas se conectam mutuamente, são interdependentes. Mas sua visão antropológica é que o homem possui em sua constituição dois elementos absolutamente opostos e irredutíveis: a razão e a violência. O homem é razão e violência. Violência é entendida como a natureza animal e a necessidade imediata de sobrevivência que envolve todas os seus esforços por contentamento. O homem vive na condição de uma luta constante contra o descontentamento e aí reside a possibilidade de sua escolha. O sentido às coisas é legitimado pela capacidade humana de discursar. Weil se põe no lugar de observador desse fenômeno humano da possibilidade do indivído não escolher o discurso. A escolha pela não violência é escolher o discurso absolutamente coerente e o diálogo. Rejeitar o discurso coerente é automaticamente escoler a não coerência, ou seja, a violência, pois a violência é o não sentido, é o outro da razão, é aquilo que é do domínio da paixão e do desejo e não da razão. Nesse sentido ele entende que a principal tarefa da Filosofia sempre foi a luta contra a violência, na violência, pois a Filosofia busca compreender tudo, inclusive aquilo que não se presta a nenhuma compreensão: a violência. Enquanto existir a violência no mundo haverá a necessidade da filosofia.
A resposta da segunda pergunta: ainda não tenho as condições necessárias para te responder essa segunda questão visto que minha pesquisa ainda não abrangeu a análise das categorias, por isso prefiro não arriscar uma resposta.
A tua terceira pergunta está relacionada à segunda, na realidade é uma repetição em outras palavras.
A quarta pergunta é bem interessante. A implicação política da Lógica da filosofia são muitas em vários sentidos. Primeiro porque no todo ela é uma explicação do fenômeno da discursividade humana e, como tal, ela pretende ser uma compreensão do homem como possuidor de razoabilidade e de ação. O homem é um ser de ação e de discurso, de discurso e de ação. Em outras palavras, o homem age no mundo em busca do contentamento e nessa busca ele age sobre o dado transformando-o, transforma sua condição no mundo, e, não somente isso, mas também transforma as formas de transformação e para tanto o ser humano refina a sua linguagem produzindo sentido para tudo que faz, pois ela será seu principal instrumento de transformação. Ele passa de homo faber (homem artesão, que fabrica) para homo theoreticus (homem de visão, que vê, que reflete, que produz filosofia). A linguagem razoável (ratio/logos) será seu principal instrumento na luta contra a violência do mundo: contra a violência da natureza (a natureza interior [a sua própria] e a natureza exterior) e contra a violência dos homens. Na luta contra a violência do mundo, para se proteger das catástrofes naturais e saciar suas necessidades naturais de sobrevivência, o homem produz técnicas e tecnologias. Na luta contra a violência dos homens, desenvolve o diálogo, o debate, a lógica da comunidade. De maneira que a ação do homem no tempo histórico possui duas dimensões de sua razoabilidade: a ação razoável e universal do homem sobre si mesmo (que é a ação moral) e a ação razoável e universal do homem sobre o gênero humano (que é a ação política). Essas duas ações estão intrinsecamente relacionadas a todas as categorias-atitudes da Lógica da filosofia e, de maneira mais particular, às categorias da Obra e da Ação. Weil fez um desdobramento dessa categoria da Ação em dois livros: Filosofia política e Filosofia moral, duas excelentes obras. A primeira ele elabora uma teoria do Estado e na segunda uma teoria moral. Mas me limito aqui falar sobre elas, pois ainda não fiz todo o percurso de leitura nelas. Na categoria da Obra ele reflete nos resultados políticos funestos da recusa do discurso absolutamente coerente, nos dando elementos para criticar o caráter de uma política de Estado que se baseia em uma linguagem mitológica, contraditória, para justificar ações violentas sobre os homens; demonstra que o discurso da obra é baseado no mito e induz as massas tornando-as sujeitas.
Curso
Filosofia
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brendon
2 anos atrás
Muito boa sua pesquisa, David. Gostaria de saber se for possível qual a diferença da dialética de Éric Weil.
Bom, Éric Weil, na Lógica da filosofia, adota uma dialética semelhante à de Hegel. Em um artigo escrito por Weil intitulado “Hegel (1956)” ele explica que Hegel quer ser filósofo e ser filósofo para Hegel é “compreender a realidade total em sua unidade”; “compreender a realidade una na unidade da verdade”; verdade enquanto estrutura de todas as verdades. Hegel quis a tudo compreender. Ele não quis explicar, mas compreender: compreender a ciência, a política, a religião, a arte, a poesia…
Mas Hegel reconheceu que a realidade, transmitida pelos diversos discursos humanos que possuem a pretensão de verdade, se apresenta como contradição, pois de fato ela é contraditória e por isso os discursos são contraditórios. E essa contradição foi o que Hegel entendeu como sendo o principal problema da sua filosofia. Portanto, essa dialética, de buscar compreender a totalidade da realidade por meio de todas as visões, é a da realidade que se compreende a si mesma, é o mundo tal como ele se apresenta no discurso: “a visão da totalidade não é senão a totalidade das visões”. O que se revela no discurso dos homens é a realidade contraditória, por isso os discursos são contraditórios.
O filósofo, para Hegel, pretende uma visão total e unificada dessa realidade contraditória que se apresenta no discurso humano. Esses discursos são razoáveis e pretendem ter a visão da verdade, mas não deixam de ser verdades particulares e como particulares não são verdades. São discursos razoáveis porque não estão em contradição absoluta com a realidade, pois a realidade é em si mesma razoável à medida que ela é acessível ao pensamento e ao discurso, porém são apenas a visão de uma particularidade; a realidade é discurso do homem real, do homem que está inserido no mundo e não fora dela, do homem que age e fala, fala e age e que ao agir produz pela capacidade de negar o dado de sua condição nova realidade. A realidade possui uma estrutura: “o real é razoável e o razoável é real”. Portanto, o homem pode e deve falar daquilo que é, pois ele é linguagem razoável, ele diz “não”, ele nega o dado, ele está descontente, não está satisfeito e em sua busca de satisfação transforma o dado e transforma as formas de transformação. Esse falar do homem não se revela num único discurso, mas em diversos discursos de diferentes visões, de diferentes ângulos da realidade.
A dialética de Weil vai nesse sentido da dialética hegeliana. Weil pretende abarcar a totalidade do fenômeno da discursividade humana em um sistema, em uma lógica, que ele entende ser a Lógica da filosofia, pois a filosofia, em sua visão hegeliana, pretende compreender essa totalidade em sua unidade. Por isso, a lógica, uma lógica que organiza esse fenômeno histórico humano, esse produto do falar do homem (o homem enquanto ser universal).
Olá, David. Haveria o risco do pensamento de Eric Weil ser visto como justificador do atual estado de coisas em nossa sociedade, na medida em que ele considera que existem diversos tipos de categoria/atitudes e que a decisão pela filosofia, pelo discurso absolutamente coerente, não é necessária, mas somente uma escolha possível?
O pensamento de Weil, sua teoria filosófica, estaria enquadrada em alguma das categorias elencadas por ele na Lógica da filosofia?
A filosofia de Weil poderia ser considerada uma ‘retomada’ de alguma categoria? Qual?
Qual a implicação política dessa teoria filosófica da história da filosofia?
Vamos lá Saulo. São quatro perguntas. Irei respondê-las de acordo com a ordem que estão expostas.
A resposta para a primeira pergunta é não. É preciso antes de tudo compreender que Éric Weil não defende nenhuma categoria-atitude, ou seja, ele não toma partido de nenhuma delas, mas apenas as descreve como fenômenos da dimensão discursiva do homem na Lógica da filosofia. Em outras palavras, ele percebe que o homem em sua experiência histórico-temporal criou discursos a partir de suas formas de vidas (atitudes), então ele organiza todos esses discursos em 18 categorias, que são unidades essenciais da discursividade humana. Cada categoria-atitude faz uma retomada de alguma categoria, elas se conectam mutuamente, são interdependentes. Mas sua visão antropológica é que o homem possui em sua constituição dois elementos absolutamente opostos e irredutíveis: a razão e a violência. O homem é razão e violência. Violência é entendida como a natureza animal e a necessidade imediata de sobrevivência que envolve todas os seus esforços por contentamento. O homem vive na condição de uma luta constante contra o descontentamento e aí reside a possibilidade de sua escolha. O sentido às coisas é legitimado pela capacidade humana de discursar. Weil se põe no lugar de observador desse fenômeno humano da possibilidade do indivído não escolher o discurso. A escolha pela não violência é escolher o discurso absolutamente coerente e o diálogo. Rejeitar o discurso coerente é automaticamente escoler a não coerência, ou seja, a violência, pois a violência é o não sentido, é o outro da razão, é aquilo que é do domínio da paixão e do desejo e não da razão. Nesse sentido ele entende que a principal tarefa da Filosofia sempre foi a luta contra a violência, na violência, pois a Filosofia busca compreender tudo, inclusive aquilo que não se presta a nenhuma compreensão: a violência. Enquanto existir a violência no mundo haverá a necessidade da filosofia.
A resposta da segunda pergunta: ainda não tenho as condições necessárias para te responder essa segunda questão visto que minha pesquisa ainda não abrangeu a análise das categorias, por isso prefiro não arriscar uma resposta.
A tua terceira pergunta está relacionada à segunda, na realidade é uma repetição em outras palavras.
A quarta pergunta é bem interessante. A implicação política da Lógica da filosofia são muitas em vários sentidos. Primeiro porque no todo ela é uma explicação do fenômeno da discursividade humana e, como tal, ela pretende ser uma compreensão do homem como possuidor de razoabilidade e de ação. O homem é um ser de ação e de discurso, de discurso e de ação. Em outras palavras, o homem age no mundo em busca do contentamento e nessa busca ele age sobre o dado transformando-o, transforma sua condição no mundo, e, não somente isso, mas também transforma as formas de transformação e para tanto o ser humano refina a sua linguagem produzindo sentido para tudo que faz, pois ela será seu principal instrumento de transformação. Ele passa de homo faber (homem artesão, que fabrica) para homo theoreticus (homem de visão, que vê, que reflete, que produz filosofia). A linguagem razoável (ratio/logos) será seu principal instrumento na luta contra a violência do mundo: contra a violência da natureza (a natureza interior [a sua própria] e a natureza exterior) e contra a violência dos homens. Na luta contra a violência do mundo, para se proteger das catástrofes naturais e saciar suas necessidades naturais de sobrevivência, o homem produz técnicas e tecnologias. Na luta contra a violência dos homens, desenvolve o diálogo, o debate, a lógica da comunidade. De maneira que a ação do homem no tempo histórico possui duas dimensões de sua razoabilidade: a ação razoável e universal do homem sobre si mesmo (que é a ação moral) e a ação razoável e universal do homem sobre o gênero humano (que é a ação política). Essas duas ações estão intrinsecamente relacionadas a todas as categorias-atitudes da Lógica da filosofia e, de maneira mais particular, às categorias da Obra e da Ação. Weil fez um desdobramento dessa categoria da Ação em dois livros: Filosofia política e Filosofia moral, duas excelentes obras. A primeira ele elabora uma teoria do Estado e na segunda uma teoria moral. Mas me limito aqui falar sobre elas, pois ainda não fiz todo o percurso de leitura nelas. Na categoria da Obra ele reflete nos resultados políticos funestos da recusa do discurso absolutamente coerente, nos dando elementos para criticar o caráter de uma política de Estado que se baseia em uma linguagem mitológica, contraditória, para justificar ações violentas sobre os homens; demonstra que o discurso da obra é baseado no mito e induz as massas tornando-as sujeitas.
Muito boa sua pesquisa, David. Gostaria de saber se for possível qual a diferença da dialética de Éric Weil.
Obrigado pela pergunta, Brendon.
Bom, Éric Weil, na Lógica da filosofia, adota uma dialética semelhante à de Hegel. Em um artigo escrito por Weil intitulado “Hegel (1956)” ele explica que Hegel quer ser filósofo e ser filósofo para Hegel é “compreender a realidade total em sua unidade”; “compreender a realidade una na unidade da verdade”; verdade enquanto estrutura de todas as verdades. Hegel quis a tudo compreender. Ele não quis explicar, mas compreender: compreender a ciência, a política, a religião, a arte, a poesia…
Mas Hegel reconheceu que a realidade, transmitida pelos diversos discursos humanos que possuem a pretensão de verdade, se apresenta como contradição, pois de fato ela é contraditória e por isso os discursos são contraditórios. E essa contradição foi o que Hegel entendeu como sendo o principal problema da sua filosofia. Portanto, essa dialética, de buscar compreender a totalidade da realidade por meio de todas as visões, é a da realidade que se compreende a si mesma, é o mundo tal como ele se apresenta no discurso: “a visão da totalidade não é senão a totalidade das visões”. O que se revela no discurso dos homens é a realidade contraditória, por isso os discursos são contraditórios.
O filósofo, para Hegel, pretende uma visão total e unificada dessa realidade contraditória que se apresenta no discurso humano. Esses discursos são razoáveis e pretendem ter a visão da verdade, mas não deixam de ser verdades particulares e como particulares não são verdades. São discursos razoáveis porque não estão em contradição absoluta com a realidade, pois a realidade é em si mesma razoável à medida que ela é acessível ao pensamento e ao discurso, porém são apenas a visão de uma particularidade; a realidade é discurso do homem real, do homem que está inserido no mundo e não fora dela, do homem que age e fala, fala e age e que ao agir produz pela capacidade de negar o dado de sua condição nova realidade. A realidade possui uma estrutura: “o real é razoável e o razoável é real”. Portanto, o homem pode e deve falar daquilo que é, pois ele é linguagem razoável, ele diz “não”, ele nega o dado, ele está descontente, não está satisfeito e em sua busca de satisfação transforma o dado e transforma as formas de transformação. Esse falar do homem não se revela num único discurso, mas em diversos discursos de diferentes visões, de diferentes ângulos da realidade.
A dialética de Weil vai nesse sentido da dialética hegeliana. Weil pretende abarcar a totalidade do fenômeno da discursividade humana em um sistema, em uma lógica, que ele entende ser a Lógica da filosofia, pois a filosofia, em sua visão hegeliana, pretende compreender essa totalidade em sua unidade. Por isso, a lógica, uma lógica que organiza esse fenômeno histórico humano, esse produto do falar do homem (o homem enquanto ser universal).